From Paris down to Turkey: Liverpool 3–3 AC Milan

Luiz Felipe Gomes Santos
8 min readJun 1, 2019

A série a seguir conta a história dos cinco triunfos do Liverpool na Champions League, um por um.

Quando o Liverpool se alinhou no Arnold Schwarzenegger Stadion, na Áustria, no dia 10 de Agosto de 2004 para jogar um play-off de Liga dos Campeões, buscando um lugar na fase de grupos da competição, quase ninguém poderia imaginar o quão especial seria a campanha que presenciariam diante de seus olhos.

De quase eliminado na fase de grupos para classificado graças a um milagre de Steven Gerrard na última rodada da primeira fase, o Liverpool demonstrava muito coração mas quase nenhuma outra qualidade de campeão — ou mesmo finalista.

Na fase final, passou confortavelmente pelo Bayer Leverkusen com dois 3 à 1, um em Anfield e outro na Bay Arena, nas oitavas-de-final. Nas quartas, mais um milagre: Após um 2 à 1 contra a Juventus em Anfield no primeiro jogo, num resultado já surpreendente considerando a força de ambos os times, o Liverpool viajava para Turim com vantagem mínima e sem Steven Gerrard nem no banco de reservas. Por 90 minutos, os homens de Rafael Benítez foram uma rocha impenetrável e mantiveram um 0 à 0 heróico no placar.

Nas semis, um confronto inglês contra o Chelsea de José Mourinho apontava todo o favoritismo para o lado dos Blues, e como seria diferente? Os já consagrados campeões da Premier League que viriam a quebrar o, até então, recorde de pontos da história da competição, com 95 pontos, enfrentaria um time que viria a terminar a liga em 5º, com apenas 58 pontos. Ainda assim, com um 0 à 0 no Stamford Bridge, o Liverpool só precisava de um placar mínimo em Anfield pra chegar a final e, meu amigo, foi um placar mínimo que eles conseguiram… O gol fantasma de Luis Garcia aos 4 minutos do primeiro tempo foi não só o gol mais chorado da história da Liga dos Campeões como foi a única movimentação do placar naquele dia.

Contra absolutamente todas as expectativas, o Liverpool havia chegado a final e enfrentaria um Milan estrelado em Istambul.

Quando você olha as duas escalações, o Liverpool não deveria estar nesse patamar. A série de eventos que culminou naquele jogo foi inexplicável e a diferença entre a qualidade dos dois times deixava isso claro. E quando Paolo Maldini abriu o placar com apenas 50 segundos de jogo, emendando um voleio após cobrança de falta de Pirlo na grande área, parecia que o destino do time de Merseyside estava selado. O Liverpool havia feito uma campanha histórica mas essa montanha era alta demais para ser escalada. Havia um senso de justiça ecoando pelo Ataturk Stadium e a sorte finalmente deixaria de ser um fator.

O Liverpool tentou continuar no jogo, com uma resposta quase imediata. Sami Hyppia forçou boa defesa de Dida com uma cabeçada após cruzamento de Steven Gerrard. O Milan respondeu com um escanteio cobrado pra dentro da área que terminou com Hyppia e Riise se atrapalhando e Sami quase marcando contra.

Em outro escanteio, Hernán Crespo conectou boa cabeçada e Luis Garcia estava no primeiro pau para tirar a bola de cabeça, em cima da linha.

O Milan continuava amassando o Liverpool, chegando com perigo toda vez que descia pro ataque. Primeiro, numa cabeçada de Kaká que se encontrou livre dentro da área mas não conseguiu colocar a bola na direção do gol. Em seguida, o mesmo Kaká arrancou e deixou Andriy Shevchenko na cara do gol. O sueco balançou as redes mas estava impedido. Shevchenko sairía de frente com Dudek de novo, após ótimo lançamento de Pirlo mas Djimi Traoré impediu que a finalização saísse como ele queria e Dudek saiu para encaixar a bola. O time de Benitez estava acuado.

Dois chutes de Luis Garcia em sequência foram a reação do Liverpool, mas ambos foram longe do gol apesar da boa situação onde o camisa 10 se encontrava.

Kaká, mais uma vez, encontrava alguém de frente para o gol — dessa vez Crespo — mas, mais uma vez, o atacante estava impedido por uma fração de segundos.

E após várias jogadas de ensaio, o segundo gol finalmente saiu quando Pirlo arrancou com a bola e achou Shevchenko por trás da defesa do Liverpool, que se recuperou a tempo de fechar o espaço do chute do ucraniano mas não tomou cuidado com Hernán Crespo que vinha no segundo pau e o argentino, livre, dominou o chute cruzado de Sheva e ampliou o placar para o time de Carlo Ancelotti.

Kaká, que tanto tentou, finalmente achou Crespo por trás da defesa do Liverpool com um passe magistral e o argentino tocou na saída de Dudek para fazer seu segundo no jogo, e o terceiro do Milan em 44 minutos.

Com 3 à 0 no placar e 45 minutos já na conta, o segundo tempo parecia apenas uma casualidade. O Liverpool foi heróico até chegar a Istambul mas a diferença na qualidade de ambos os times era demais para ser superada apenas com coração e o primeiro tempo havia provado que não importa o quão determinado seu time é, uma hora a qualidade de um adversário superior vai fazer a diferença. Certo?

Por 45 minutos, sim. Mas o Liverpool não é um clube de aceitar narrativas tão facilmente.

Durante todo o intervalo a torcida do Liverpool se fez ouvir. “Vocês jamais caminharão sozinhos”, eles cantavam a plenos pulmões. Talvez nem numa tentativa de fazer o time acreditar que era possível mas sim um reconhecimento de que eles já haviam feito demais. Um agradecimento pela jornada e por tudo que foi conquistado até aquele ponto. Era como se dissessem “tudo bem, a gente entende”. Mas o resultado disso foi completamente diferente. O time saiu do vestiário disposto a mostrar que se eles iam cair, cairiam lutando e que a viagem de Liverpool até a Turquia de milhares de torcedores não foi em vão. Não era hora de aceitar nada.

Xabi Alonso é o primeiro a tentar a sorte no segundo tempo, com um chute de longe que passa muito perto da trave de Dida. O Milan respondeu com Shevchenko cobrando falta e exigindo ótima intervenção de Dudek.

Aos 9 do segundo tempo, Riise foi acionado na ponta esquerda e cruzou a bola na cabeça de Steven Gerrard, que colocou a bola na bochecha da rede e o Liverpool de volta no jogo. As músicas, uma vez de apreciação, começavam a ganhar outro tom. Gerrard corria balançando os braços no ar e pedindo que o time e a torcida acreditassem, e acreditar eles o fizeram. Dois minutos depois, Vladmir Smicer finalizou de longe e a bola, aparentemente despretensiosa, entrou no cantinho direito de Dida. 3 à 2 e o Ataturk Stadium parecia Anfield numa noite europeia.

Quando Carragher e Baros triangularam dentro da área para acharem Steven Gerrard correndo sozinho de frente para o gol, Gattuso não viu outra opção além de cometer o pênalti e torcer para o melhor. Ele passou tão perto de ter tomado a decisão correta… Xabi Alonso correu para a bola e bateu firme, no canto direito. Dida defendeu. No rebote, o próprio camisa 14 foi pra dividida e colocou a bola pra dentro do gol. O Milan, atordoado, precisava de um anti-clímax, algo que baixasse o ímpeto do Liverpool e da torcida. Caso Dida espalmasse aquela cobrança pra fora, sabe-se lá o que teria acontecido…

O Liverpool tornou o impossível possível dentro de 5 minutos mas ainda havia um jogo para ser jogado.

O Milan tentava se recuperar do duro golpe e Seedorf tentou uma finalização de longe, sem sucesso. O Liverpool ameaçou do outro lado com Riise, mas Dida fez uma defesa rotineira. Dudek então decidiu adicionar um pouco mais de emoção ao jogo e rebateu uma bola simples no pé de Shevchenko, que finalizou tirando do goleiro e viu Djimi Traoré tirar um gol certo de cima da linha.

É a vez de Gerrard finalizar de longe. Sem sucesso…

Crespo sai em boas condições dentro da área do Liverpool mas prefere passar ao finalizar e Kaká é bloqueado por Carragher na hora da finalização. Em seguida, Shevchenko quase sai de frente para o gol mas Jamie, de novo, estava lá para intervir. No escanteio subsequente, Staam cabeceou e Kaká teve a chance de colocar a bola pra dentro, sozinho, mas perdeu.

Fim dos 90 minutos. 3 à 3. O Liverpool já havia conseguido um milagre mas ainda tinha tudo a perder.

A prorrogação veio e com ela mais emoção. Serginho achou Tomasson, que havia entrado no lugar de Crespo, sozinho dentro da grande área mas o atacante furou a finalização frente a frente com Dudek.

Mais uma vez Serginho no cruzamento e…

Fim dos 120 minutos. O Liverpool havia operado um milagre, Dudek havia operado outro e era hora das penalidades.

O primeiro a ir pra bola foi Serginho e o brasileiro isolou sua cobrança. O Liverpool começava em vantagem. Didi Hammann confirmou a vantagem. 1 à 0 Liverpool. Em seguida, Andrea Pirlo na bola para o Milan. Seguro, classudo, impenetrável em momentos de pressão… até parar em Dudek. Djibril Cissé aumentou a vantagem do Liverpool. Após duas cobranças para cada lado, o Liverpool tinha 2 à 0 no placar e o grande Milan estava nas cordas.

Tomasson, que perdeu o que provavelmente seria o gol do título na prorrogação, converteu sua cobrança. Dida então pega o chute de Riise e o Milan dá sinais de vida. 2 à 1.

Kaká veio pra bola e Dudek fez sua melhor impressão das “pernas malucas” de Bruce Grobbelaar. Infelizmente, o efeito não foi o mesmo. Kaká colocou sua cobrança no ângulo. No entanto, o Liverpool ainda tinha a vantagem e Smicer garantiu que seu time teria um match-point. 3 à 2 e a última série de cobranças por vir.

Shevchenko vem para a bola. Olhando anos depois, que erro por parte de Ancelotti… Shevchenko estava parado frente a frente com o homem que o negou a alcunha de herói de um título europeu, operando um milagre que nenhum dos dois sabe explicar até hoje. Com a pressão de saber que o destino do Milan estava em seus pés e, ao mesmo tempo, era incontrolável por ele uma vez que a vantagem ainda era do lado vermelho da decisão, Shevchenko optou pela segurança. Cobrança no meio do gol, mas que ele telegrafou a cada passo. Dudek estava lá, mais uma vez.

O Liverpool havia operado um milagre. Dudek outro. E outro. E outro. E o Liverpool dos milagres, desde a fase de grupos até a final, fechou aquela campanha com chave de ouro, do jeito mais digno possível para representar toda aquela caminhada. Aos 45 minutos do primeiro tempo daquela decisão, ninguém acreditava no Liverpool. Ao fim da noite, eles provaram que estavam todos errados.

“Você jamais caminhará sozinho”, eles cantavam a plenos pulmões no fim do jogo. Como reconhecimento de que eles haviam feito demais. Um agradecimento pela jornada e por tudo que foi conquistado até aquele ponto. Do mesmo jeito, e pelo mesmo motivo, que o fizeram no intervalo, mas por razões completamente diferentes.

--

--